“PELA PRIMEIRA VEZ, A RF DÁ DINHEIRO A ALGUÉM”, DIZ PAULO GUEDES
Paulo Guedes anda atarefado. E criticado também. “Mais do mesmo”, como costuma dizer. O papel de superministro do governo Bolsonaro é uma faca de dois gumes, como sabia que seria desde que se tornou guru do então candidato. Os últimos (e tumultuados) capítulos da campanha anti-covid-19 no País não o abalaram. O economista parece focado em uma missão desenvolvimentista. Entre outras, está montando até um programa com a Receita Federal. Se andar, a RF espantosamente dará…dinheiro: 30% do faturamento da empresa, por três meses.
Sobre a recente confusão envolvendo um powerpoint e o general Braga Netto (ministro da Casa Civil), o ministro diz que não passou de um imenso mal-entendido: “Cabe ao Ministério da Economia analisar o que é viável de executar, porque os recursos são escassos”, pontua.
O “Posto Ipiranga” de Bolsonaro tem repetido que a retomada do crescimento só virá por meio do investimento privado porque o caminho do investimento público já foi seguido, esgotado e “deu muito errado”. Guedes acredita que o governo tem “tudo pronto para defender o País”, mas que vamos precisar de uma dose grande de solidariedade frente à crise do coronavírus.
O ministro conversou com a coluna, entre uma reunião e outra, por telefone, semana passada. Não anda dando entrevistas. “Estamos trabalhando como loucos”, justifica. “Desapareci um pouco, mas acho até melhor, porque tem gente falando muito e fazendo pouco”. A seguir, sinais de Paulo Guedes indicando que o Brasil não está parado.
Muito importante. Nós dividimos o setor de crédito em quatro camadas. O microcrédito, para empresas com faturamento até R$ 360 mil por ano, vai ser um fundo de mais ou menos de R$ 16 bilhões. Os elegíveis nessa faixa são, aproximadamente, 3,2 milhões de empresas pagadoras do Simples, gente que tem pequenos negócios, empresas compostas por poucas pessoas, o marido, a mulher e um filho, por exemplo; ou o dono e três funcionários.
Quem não tem conta em banco, precisará abrir uma na Caixa para pegar o crédito, e quem tem conta no Banco do Brasil, ou qualquer outro banco, vai receber pelo BB – diretamente, se for correntista do banco, ou por transferência bancária, isenta de taxa. O montante já está sendo distribuído (o auxílio aos informais e MEIs, de R$ 600).
Muita gente não sabe que tem direito ao dinheiro. E outras, tampouco sabem como sacar. Por isso que, sempre que posso, peço solidariedade à sociedade brasileira. Porque uma pessoa desprotegida, um ambulante de rua, nunca precisou do Estado para nada. E, de repente, tem R$ 600 esperando por ele e ele simplesmente não sabe disso ou não faz a menor ideia de como chegar ao dinheiro.
Com certeza. Temos de nos ajudar. Não é possível que um brasileiro, uma brasileira não tenha como pegar os R$ 600 que estão a sua espera porque ninguém se dá o trabalho de ajudar. E eu vou te dizer mais: até eu teria dificuldades. Eu não sou bom de WhatsApp, não sou bom desses negócios tecnológicos. Se alguém falasse que eu tenho R$ 600 para receber, gostaria que me dessem uma ajudinha, entendeu? Até porque, como você bem disse, a nossa capilaridade é muito profunda, a Caixa tem 26 mil agências no Brasil inteiro, cada cidadezinha tem uma Caixa. Ou seja, se a pessoa for à agência, acaba conseguindo pegar o dinheiro. Mas ela precisa saber que o dinheiro está lá, à disposição.
Ah, essa é uma ideia maravilhosa. Olha só que interessante: a Receita Federal, quando chama os empresários do Simples, normalmente é para dar bronca, para cobrar ou para multar. Agora, não. Desta vez, a Receita pegou os 3,2 milhões de cadastrados e vai telefonar para cada um deles: “Vem cá, você é a empresa tal?”. O cara até vai ficar com medo de ser cobrado, o que é absolutamente normal, mas, na verdade, ele vai receber dinheiro. Vai poder ir ao banco da escolha dele e receber até 30% do faturamento mensal por três meses.
E é uma proposta bonita, porque, imagina só: o pequeno ou a pequena empresária, que paga o que deve à Receita, religiosamente, de repente precisa fechar as portas e passa a não ter rendimento nenhum. A gente tem visto muito isso. O dono de restaurante, por exemplo. Como é que vai pagar as contas com as portas fechadas durante três meses ou mais?
Por isso que nós pensamos em todos. Restaurantes, bares, qualquer lojinha, entendeu? Qualquer lojinha, banca de jornal. Qualquer um. Qualquer um que pague o Simples.
Depois da camada do microcrédito, temos a ajuda destinada à folha de pagamento, para empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. Este fundo terá R$ 40 bilhões, sendo R$ 34 bilhões do governo e R$ 6 bilhões dos bancos. É tanta coisa boa que a gente está fazendo e que as pessoas não sabem…
(risos) Esta a que eu me referi, Folha de Pagamento de Salário. Vai funcionar durante três meses e servirá para aquele empresário que não demitir funcionários. Aqui cabe o mesmo exemplo de solidariedade do começo da nossa conversa: se você, que sabe desse projeto do governo, tem um restaurante da sua preferência que está com as portas fechadas, faça um favor para você mesmo, para ele e para o País: telefona para o dono ou a dona, avisa sobre o programa. “Vem cá, você conhece o Fopas? Já foi atrás?”.
É, lá no Nordeste talvez a gente mude para Fopag (Folha de Pagamento), porque, no interior de alguns Estados, parece que Fopas não é uma palavra muito bonita… Mas, voltando ao exemplo: as pessoas não estão podendo ficar juntas, não estão podendo confraternizar, e o restaurante, que está de portas fechadas, continua trabalhando, geralmente duas horas antes do almoço e duas horas antes do jantar – porque está tentando se virar com o delivery. É o tipo do empreendimento que, se tiver uma ajuda como a do Fopas, vai poder se manter e manter seus funcionários.
O dono ou a dona do restaurante chama seu funcionário e negocia: “Olha, eu não vou precisar de você o dia todo, mas só durante quatro horas. Ao invés de te pagar R$ 2 mil, vou te pagar R$ 1 mil”. Aí entra o nosso programa, que é de suplementação salarial, e paga os outros R$ 1 mil.
São R$ 51 bilhões.
O BC tem todas as informações das empresas, tem controle absoluto. E essas empresas que se elegerem para o programa não receberão o dinheiro. Ele será entregue na mão dos funcionários. A empresa só assume o compromisso: “Olha, governo, eu quero manter os meus funcionários, que são estes aqui”. Passa os dados cadastrais do funcionário e o governo faz a complementação salarial chegar até ele.
Não, somente para valores até três salários mínimos – pouco acima de R$ 3.100. Para os que mais precisam. E, nesse caso, é transferência de renda, mesmo. É o governo dando dinheiro para as pessoas.
Aí entra em ação um outro fundo, dedicado a alavancar o capital de giro das empresas. São mais R$ 40 bilhões, para empréstimos a juros baixíssimos. Como esse empresário se comprometeu a manter os empregos, a gente paga a metade dos funcionários e também disponibiliza linha de capital de giro.
A das empresas acima de R$ 10 milhões de faturamento anual. E aí entra o BNDES, com um programa chamado FGI, Fundo de Garantia de Investimentos, que nós ainda estamos estudando, não chegamos à definição do tamanho. Mas ele vai garantir até 20% das perdas das empresas durante a crise. E depois a quarta camada, que é a mais alta e também a mais complexa, as grandes empresas e os setores críticos.
E um dos melhores exemplos. Porque, neste momento, os aviões estão quase todos no chão. E o caixa dessas empresas está praticamente zerado. Só que a gente sabe que, daqui a três ou quatro meses, essa frota vai ter de deixar o solo, vai ter de alçar voo, vai ter de levar as pessoas para lá e para cá, porque a economia vai precisar disso, talvez mais do que nunca.
É isso que eu estou falando. Porque essas empresas não morreram, estão em quarentena, como nós. Por isso, quando a crise passar, nós vamos dar dinheiro para que elas possam voltar a operar. Vamos ajudá-las. E, quando estiverem 100% novamente, vamos cobrar essa ajuda na forma de debêntures conversíveis. Porque não queremos ser vítimas de cobranças do tipo “ah, estão recriando campeões do Brasil, dando dinheiro público para grande empresário” e essas coisas. Não, não, não. É dinheiro que volta com juros. Vamos ganhar, no futuro, 2 ou 3 vezes mais do que emprestaremos agora. É dinheiro público para salvar o setor, mas que será amplamente ressarcido.
Outro setor crítico é o de distribuição de energia. Porque, se as pessoas pararem de pagar suas contas de luz, daqui a pouco tem um apagão, destrói o Brasil. Então, você não pode deixar essa turma ficar sem capital de giro. Nesse caso, o empréstimo será com base nos recebíveis. Porque tem muita conta acumulada ou acumulando, e essa será a garantia do empréstimo. Essa mesma lógica vai valer para o setor de varejo.
É mais um que está na nossa lista, porque ele é formado por uma imensa cadeia de suprimentos. São milhares de pequenos fabricantes nesse ecossistema. Nesse caso, a modalidade de empréstimo é outra: a garantia são os ativos nacionais ou as garantias da própria matriz internacional. Fizemos consórcios com bancos para trabalhar conosco. E estamos usando uma inteligência típica de economia de mercado, de sistema descentralizado. Diferentemente do que estamos fazendo nas camadas 1 e 2, aqui temos um sistema de top down, no qual damos o dinheiro na mão da grande empresa e ela vai distribuindo esse dinheiro pela cadeia produtiva, até ele chegar lá embaixo. E tem de ser assim, porque, caso contrário, daqui a 2, 3 meses, quando a montadora quiser fazer um carro, por exemplo, não vai ter couro, não vai ter borracha, não vai ter uma série de insumos. Aí quebra! Então, a gente dá o dinheiro lá em cima, com a garantia desses empresários de que a cadeia produtiva dele será devidamente lubrificada. Quando a economia retomar, ele estará pronto para voltar.
Sinceramente, não. Estamos trabalhando como loucos. Tem muita gente falando demais e fazendo de menos.
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